Manuscrito - Ato de 10 anos da Chacina de Osasco e Barueri
Manuscrito - Ato de 10 anos da Chacina de Osasco e Barueri
cadernos: fragmentos e memórias
Apresentação
A resistência é uma palavra gramaticalmente classificada como substantivo feminino. Em sua definição dicionarizada também encontramos seu significado associado a um princípio da física mecânica: “propriedade de um corpo que reage contra a ação de outro corpo”. O corpo, aqui, não necessariamente é humano, porque corpo, na física, designa a matéria que pode ser composta por inúmeras propriedades. Ainda atrelado à física newtoniana do século XIX, essa matéria, como é sabido, é formada por uma massa de átomos que compõem as moléculas. Só avançando para o conhecimento em física no século XX que chegaríamos a possibilidade de descrições sobre a composição relativa dessa matéria no espaço/tempo e, mais adiante ainda, descrições das partículas em movimento, não visíveis a olho nu, em composições quânticas. Voltando ao dicionário eletrônico, ele sugere, para melhor compressão, palavras semelhantes à resistência: vigor, força, ânimo, energia, exuberância.
No entanto, nem tudo pode ser definido por uma convenção linguística, delimitado por regras gramaticais e preso a representações semióticas. Há de se considerar que o campo do vivido, das sensações e do experimentado também são capazes de produzir conhecimentos e significações. Se, modernamente, o poder e a política operam por uma gramática, a qual Maquiavel foi um dos primeiros a estabelecer e definir suas regras, a resistência ao poder e à política não cabem no ordenamento militar de palavras e signos estabelecidos pela gramática. Portanto, é no campo do sensível, do parcial, do subjetivo, do situado e do memorável que os breves escritos apresentados aqui se inscrevem. Por isso, além de relatar a resistência das mães que tiveram seus filhos executados pelos burocratas armados do Estado, os escritos compilados são também, por si só, um ato de resistência. Porque ao descreverem um mesmo acontecimento com a pena da perspectiva subjetiva, resistem à objetividade fria da experiência observável e passível de criar leis de regularidade que caracteriza a ciência e a política modernas.
Portanto, o que aqui apresenta-se são os relatos de 5 pesquisadoras diferentes em quase tudo (idade, formação, experiência de vida etc.), mas que descrevem o dia e os preparativos do ato em memória dos 10 anos da Chacina de Osasco e Barueri. A leitora (ou o leitor) poderá tomar contato com as formas, os cheiros, os corpos e os movimentos que fizeram o ato e o antes e depois do ato. São relatos de pesquisadoras que atuam regularmente no projeto de extensão do LASInTec junto à Associação 13 de Agosto. Não cabe aqui explicação, leiam e tenham sua própria experiência.
Por fim, e a despeito de resistir à gramática do poder, são relatos que se inscrevem como resistência em três palavras também femininas: a memória e a verdade libertárias.
Um samba da bicicleta que resiste
Carolina Rosmaninho
Na manhã do dia 16 eu me sentia uma produtora de eventos: queria garantir que a tenda chegaria certinho, ao mesmo tempo atendendo a Tempestade e o Kric, que, como bons idosos que são, queriam chegar com algumas horas de antecedência ao grande evento. Engoli o café da manhã entre receber ligações desesperadas deles, que queriam “chegar logo no almoço!”, pedir os táxis deles a distância, me certificar de que entraram, de que encontrariam a casa da Dona Zilda. Claro que quando eles finalmente chegaram e já estavam bem acomodados para o almoço, ninguém lembrou de me avisar que tinha dado tudo certo, ou parou para responder minhas mensagens, rs.
Encontrei a Biba e fomos em seu carro, junto com seu namorado Ronie. Comentamos sobre a sorte de estar um dia bonito. Conversamos sobre a matéria do El País que contava de um coletivo de mães colombianas, “las madres de Soacha”, que tiveram seus filhos assassinados pelo Estado e, mais recentemente, se reuniram pensando sobre as comidas que preparavam com seus filhos. Elas estão prestes a publicar um livro de receitas que mistura tudo isso, porque dizem que “cozinhar e cuidar são verbos que vão bem juntos”. A proposta do livro é contar essas histórias pensando no afeto que ali existia, uma ótica meio inédita, já que a essas narrativas geralmente só é dado espaço - com muito custo e mobilização - para abarcar a dor do luto e da violência. A Biba comentou de um filme que assistiu, em que mães de vítimas de violência de Estado preparavam os pratos favoritos de seus filhos, o filme era da Turquia, se não me engano. Nós falamos de ser uma coisa doida isso, que lá em outro canto do mundo, o Estado mata igual, assim como as mães se organizam para resistir igual, um paralelo tão longe e tão perto. E, também, de como a comida, e o ato de preparar uma refeição, tem esse potencial de juntar, reunir, permear cuidado e afeto.
Chegando na casa da Dona Zilda, tinham algumas pessoas sentadas na porta, conversando. O cheiro do almoço estava convidando a entrar, e as vozes todas se misturavam, virando quase uma harmonia. O sol brilhava muito no dia, escapando em faixas pra dentro da viela, e iluminando o quintal da Dona Zilda. Entramos e estava uma confusão rs. Muuuuita gente, muuuuuuuuuuita comida! A mesa comprida estava coberta de arroz, pernil, farofa, couve, e até um feijão tropeiro de linguiça vegetariana, faltava espaço pra tanta fartura. As pessoas já estavam se organizando em uma fila que cruzava a porta da sala, todo mundo com seu pratinho na mão. A caixa de som estava tocando alguma do Zeca Pagodinho, e a Dona Zilda contou que só há pouco voltou a ouvir a música dele, “o Fernando gostava muito, ouvia sempre! Aí eu fiquei um tempo sem conseguir escutar…”. A casa estava preenchida também pela presença dessas ausências tantas. Por todo mundo que deveria estar alí, e não está. A atmosfera toda lembrava mesmo um samba, desses que falam de coisas tristes, mas são muito muito muito bonitos, e nos fazem sorrir, inclusive porque dá pra perceber na escuta que os cantores tão sorrindo também. O almoço inteiro eu senti assim, como aquele suspiro fundo que a gente dá depois de rir em meio a um momento de tristeza. Me pareceu que essa parte foi a de maior mobilização política do dia, pensando a mobilização política como a teimosia de sobreviver em meio a barbárie, e não só sobreviver, mas seguir encontrando a galera que você gosta, preparando um banquete, dando umas risadas e contando causos.
O ato em si atrasou, porque esse momento anterior pediu mais tempo, pediu espaço para assentar em nós. Quando falamos de finalmente descer para a quadra, se formou uma fila enorme para usar o banheiro. A Dona Zilda estava muito agitada, dizendo que só queria descer quando fosse com todo mundo. Ela vestiu a camiseta com a foto de seu filho, colocou na cabeça o boné de basquete do Fernando, disse para os cachorros tomarem conta da casa que logo ela voltava. A viela continuava insistentemente ensolarada. Nós fomos caminhando e entoando os gritos de contra-ataque puxados pelas nossas. Ao nosso redor, a vida acontecia. Algumas pessoas paravam para observar, iam às portas dos comércios para entender do que se tratava. Chegamos na quadra e as mães de Osasco começaram suas falas. Esse momento foi triste, pesado, cheio de revolta, no fundo até admiração pelas pessoas que elas são, ainda que eu preferiria que não houvesse esse disparador trágico que me fez conhecer essas figuras. Teve uma coisa que todas as mães que passaram pelo microfone disseram: mães de Osasco, de Barueri, de Maio, de Manguinhos, da Rocinha, da Amparar. Mães de filhos executados pelo Estado, mães de filhos desaparecidos pelo Estado, mães de filhos sequestrados e privados de suas liberdades pelo Estado… quanta mãe. Não é justo, é muita mãe. Elas repetiram que estar entre elas, todas elas, que entendem a dor única que só elas podem dimensionar, as fortalece. Essa comunhão ao redor de um denominador comum que é a violência do Estado genocida. Mas que também é o espaço para que elas troquem entre si, se acolham, validem suas dores, possam sangrar abertamente sem serem abocanhadas pelo sadismo expositivo de alguns, a sanha objetificante de outros. Entre elas, parece haver muitos braços abertos para abraçar. Foram muitos os abraços apertados que eu vi naquele dia 16 de agosto de 2025.
Paralelamente, ou talvez confluindo com tudo isso, algumas crianças brincavam na quadra, empurrando a bicicleta morrinho acima, e depois descendo alucinadamente - “será que elas não têm medo de cair”, eu pensava como uma adulta que desaprendeu a experimentar até mesmo as quedas. Eu senti medo, muito medo, por aquelas crianças e tudo que pode acontecer com elas. Eu pedi para o universo, quem quer que ele seja, que não nos faça ter que voltar naquela quadra por novos-mesmos motivos. Mas as crianças ali tão concretas não me deixavam seguir nos devaneios apavorados. Elas vinham bem rápido até o carrinho de pipoca e diziam “moça, me vê mais dois, por favor”. Pedalar segurando os saquinhos de pipoca, esse aprendizado eu vou levar comigo. Foi uma loucura para os meus sentidos voltar meus olhos para o lado direito da praça e assistir as crianças apenas sendo, enquanto meus ouvidos escutavam relatos de dor, trauma, medo e raiva. Parecia que o filme estava desconectado da trilha sonora, quem foi que confundiu os arquivos e juntou a vida com a morte? Quem teve a indecência de jogar pitadas de violência em meio a toda liberdade daqueles bikeros minúsculos? Quem teve a ousadia de jogar pitadas de infância em meio a toda tragédia escancarada naquela praça? Só sei que poucas coisas são mais vida que a morte, mas também poucas coisas são mais vida que as crianças. E a vida parece fazer questão de vir assim em todas as cores, funda até perder de vista, para não deixar a gente escapar, obrigando a abarcar ISSO TUDO. Ei, nem tenta desviar o olhar.
Às favas com a neutralidade
Lúcia Soares
“eu não vou sucumbir
eu não vou sucumbir
avisa na hora que tremer o chão
amiga é agora
segura a minha mão (...)”
Libertação, Elza Soares
Não existe neutralidade. O discurso da neutralidade nas Ciências Humanas é uma falácia, retórica, ou se quiserem, uma baboseira. Eu, como mulher e mãe não consigo ter distanciamento como pesquisadora, por isso chorei, choro, sinto dor e me sensibilizo com as histórias, narrativas, discursos e subjetividades das mães que perderam seus filhos assassinados pelo Estado.
Os meses que antecederam o “Ato 10 anos da Chacina Osasco-Barueri” foram de receios, dúvidas e inquietações. Por vezes, pensei: “será que vai dar certo?”; “como as mães estarão no mês de agosto?”
Essas e outras questões estavam em meus pensamentos, seria uma ideia fixa? Talvez... A apreensão estava atravessada pela minha pesquisa “Deixar viver ou deixar morrer: mães da Chacina de Osasco e Barueri, violências, memórias e resistências” iniciada em maio, como parte de atividades de extensão do LASInTec-Unifesp, uma continuidade do projeto “Políticas de segurança e violência de Estado: relatos de luta e imagens de resistências das mães da Chacina de Osasco e Barueri em 2015”.
Conheci Dona Zilda numa reunião em sua casa em 2024, fiquei muito impressionada com sua fibra e articulação. Depois, no ato, foi a vez de conversar com outras mães - Maria, Cida, Antônia e Rosa - com suas dores, sofrimentos, amizades e cumplicidades. Mulheres vivas no combate do dia a dia desigual.
As reuniões semanais no LASInTec-Unifesp e as outras reuniões na casa de Dona Zilda serviram para alinhar, organizar e divulgar o ato. Conseguimos pensar a produção dos zines, das faixas, das entrevistas internas (eu, Acácio, Joana e Gabriella) para o podcast, preparar as rifas de livros, uma conta específica para arrecadação financeira, conceber uma lista de mercado para o almoço do dia 16/08, além de colher entrevistas, depoimentos, rápidas declarações das mães sobre seus filhos, dando continuidade aos trabalhos de pesquisas anteriores.
No dia 13 de agosto – uma quarta-feira - munidos de “flyers” sobre o ato, fomos panfletar no fim da tarde na estação de trem de Osasco. Quando cheguei, já estavam Acácio, Gabriella, Maria Clara, Clara e Dona Antônia.
No entanto, antes disso, fui levar as carnes suínas – que foram preparadas para o almoço afetuoso do dia 16/08 na casa da Dona Zilda. Naquela tarde, ela estava agitada e visivelmente abatida, pudera, ali configuravam os dez anos da morte trágica do seu único filho. Ficamos algumas horas juntas a conversar, me levou ao quarto de Fernando, onde ainda guarda alguns objetos e lembranças, me disse que depois de morto ele havia feito muito mais do que vivo, porque existe uma aglutinação.
Nestes dez anos, Dona Zilda circula em muitos lugares e espaços, dá ideias, papo-reto, empunha bandeiras, questiona governantes, conheceu muitas pessoas, fez amizades e inimizades, mas ela afirmou: “a guerra começou muito antes”. Se referindo à sua própria existência, desde a infância andando com a mãe, morando em várias ruas, passando por várias casas, estudou pouco e logo foi trabalhar como empregada doméstica. Ralou muito, mas também se divertiu nas escolas de samba. No entanto, nada impediu de ser “expulsa” dos bairros de classe média e pobres de São Paulo, até chegar no bairro Munhoz Junior, entre Osasco e Barueri.
Quando saímos para encontrar o Flávio, da Fabcine, pessoas a cumprimentavam e ela divulgava o ato, muitas disseram que passou rápido, outros nem lembravam mais da chacina. Quando pegamos o carro de aplicativo para irmos à estação de Osasco, Dona Zilda tornou a falar do filho, do caminho que fazia a pé quando estava no exército, no Quartel Militar de Quitaúna, se referindo com muito orgulho a essa fase de vida.
Na estação Osasco da CPTM, encontramos Acácio, Maria, Clara, Gabriella e Dona Antônia na panfletagem. Num momento rápido, eu e Gabriella colhemos uma declaração de Dona Antônia sobre seu filho, e numa frase manifestou: “Jailton era meu filho que eu amava muito.” Após seu depoimento, despediu-se e foi embora, precisava pegar o trem e ir cuidar dos três netos que ficaram órfãos do pai e estão sob sua responsabilidade.
Nos reunimos novamente, Acácio partiu e fomos andar no calçadão com Dona Zilda, que parava abordando as pessoas para entregar o folheto e alertar sobre o ato.
No outro dia, fui ao supermercado fazer as compras para o almoço de sábado, que antecedeu o ato. À tarde fizemos a reunião do LASInTec em minha casa, foi ótimo. Raphael trouxe os equipamentos para fazer as últimas entrevistas destinadas ao podcast, também nos mostrou as produções de zines etc. O sorteio das rifas dos livros e colchas foi feito ao vivo numa tarde fria e produtiva.
No fim, Clara levou todas as compras, que foram entregues na sexta-feira à Dona Zilda.
No sábado, dia 16/08, por volta das 11h30, Joana, Raphael e eu saímos de casa rumo à Dona Zilda, chegamos e era uma verdadeira festa. As mães estavam lá preparando o almoço e muitas pessoas chegavam de todos os cantos, inclusive as mães da Baixada Santista e do Rio de Janeiro. Era uma mistura de sorrisos e lágrimas, de cochichos e exaltações, a celebração da vida e da morte, do amor e da dor.
Saímos um primeiro grupo para a quadra, lá encontramos Flávio e o pessoal montando som, organizando o espaço com cadeiras etc. Foi colocada a faixa gigante com as fotos dos executados. Em seguida, vieram as mães e demais participantes do ato com faixas e bandeiras. Algumas falaram ao microfone, outras não. Teve apresentação musical do rapper Krik Cruz e do documentário “Memória obstinada: caminhos de luta das mães, por memória e verdade em Osasco e Barueri, (SP 2023)”, produzido pelo LASInTec-Unifesp.
Se “a política é a continuação da guerra por outros meios”, como afirmou o filósofo Michel Foucault, essas mulheres-mães em movimento, no combate e no sofrimento, se insurgiram contra todo tipo de violências perpetradas pelo Estado e a sociedade. Não se curvaram, foram para o enfrentamento com força e resistência, porque a vida é política.
Gritos irreparáveis, mulheres que resistem sem perdão
Maria Minussi
“(...)E de guerra em paz
De paz em guerra
Todo o povo dessa terra
Quando pode cantar
Canta de dor”
Canto das Três Raças, Clara Nunes
Durante as reuniões que antecederam o ato, na casa de Zilda — figura central da Associação 13 de Agosto —, repetia-se a ideia de que a manifestação dos 10 anos deveria denunciar a continuidade da ditadura, das políticas de morte do Estado, agora travestido de democrático, aquele mesmo “lento e gradual” que os generais imaginaram. Entre tragos de cigarro, como sempre faz, Zilda solta uma frase que ilumina sobre o peso da memória de quem atravessou a violência e as transformações urbanas de São Paulo, sendo repetidamente expulsa de um bairro a outro, até chegar onde mora hoje, a poucos metros de onde Fernando foi assassinado: “O que mata a gente é que a coisa continua”.
Quando cheguei ao Munhoz, no dia 16, por volta da uma da tarde, a casa da Dona Zilda já estava tão cheia que as vozes se espalhavam pela viela. Eu havia acompanhado toda a organização e a logística do ato desde o início, sabia que esse ano viriam mais pessoas — Mães de Maio, do Rio, da Baixada Santista, IDMJR, o Movimento Negro Unificado (MNU), Amparar, Frente Estadual pelo Desencarceramento-SP, Memórias Carandiru, Geledés, Rede Contra o Genocídio-SP —, mas só ali percebi de fato a dimensão daquela reunião de lutas. Não consegui subir as escadas para entrar: o almoço havia acabado de ser servido, a maioria de pé, esperando na fila entre conversas e goles de cerveja. Os pratos não foram suficientes, os cômodos estavam lotados. As vozes ecoavam como prova viva de que a memória resiste.
Na tradicional caminhada — que começa ao lado do Bar do Juvenal, onde os filhos foram assassinados, e segue até a quadra de esportes do Munhoz, espaço de convivência, onde cresceram, jogaram bola e fizeram amigos —, notei que o bairro inteiro parecia se mover junto.
Nas janelas, nas portas das casas e nos comércios, vizinhos se reuniam para observar a marcha. A maioria dos participantes, mulheres, carregam bandeiras com os rostos dos executados. Ao verem as imagens, moradores apontam, comentando e rememorando: cada rosto estampado era também a memória de um amigo, de um parente, de alguém que o bairro perdeu.
Carregava a bandeira do Amauri, vítima da chacina que faleceu em 2024 em decorrência das sequelas, e fui perguntada mais de uma vez se eu era de sua família, por conhecidos que queriam compartilhar memórias. Várias vezes ele foi lembrado pelos observadores na rua.
Reunidas, as forças desses familiares e militantes é potencializada. Não é um alívio de suas dores, como a maioria aponta, a reparação é uma utopia, seus filhos e filhas não vão voltar. Mas juntas, não é a tristeza que comanda o ambiente, e sim a solidariedade: o saber que, apesar da coisa continuar, elas também continuam. Unidas, são resistência imediata, voraz e efetiva contra a brutalidade do Estado. Parece óbvio, mas estar junto lembra que nunca estamos sozinhos. Por mais que as ameaças não cessem e o horror cresça, elas seguirão nos relembrando.
Na quadra onde as crianças brincam e jogam bola, uma linha do tempo das chacinas no Estado está pregada no alambrado.
Zilda abre as falas, como de costume, mas sua potência nunca é costumeira. Ao rememorar sua vida, narra também o histórico das matanças cometidas pelas forças policiais paulistas, que ela testemunhou crescerem em brutalidade, mudando e aperfeiçoando suas tecnologias de extermínio. Passa por cada massacre, e ao final ecoamos: Presente, hoje e sempre.
Uma a uma, de costas para a linha do tempo dos massacres, as mães e familiares recordam a vida de seus filhos — suas vidas.
“Esses policiais que se matam ouvem todos os dias o grito dos nossos filhos suplicando: ‘Socorro, mãe, socorro, eu não quero morrer’”, disse Débora Silva, das Mães de Maio.
Não há perdão. Que o remorso e o arrependimento engulam por completo a vida desses burocratas da morte. Que se revirem nos túmulos, ouvindo o soluçar de dor que ecoa noite e dia. Ensurdecedor.
Pessoas maiores que o luto, uma luta que é um bom encontro e as crianças gigantes
Clara Lis Tucci Schiewaldt
O ato do dia 16 foi a culminância de um processo de meses, e é impossível, para mim, falar sobre o dia sem tratar dos eventos que o antecederam. Cito, sem seguir uma determinada hierarquia de importância, atividades que foram parte integral do processo:
1. As diversas e extensas reuniões que fizemos no LASInTec, nas quais nos preocupamos com as particularidades práticas que permitiram que o evento ocorresse sem obstáculos, e os encontros na casa da Zilda, nos quais ouvimos os desejos e expectativas da Associação 13 de Agosto e ajustamos nossa programação de acordo;
2. A panfletagem que fizemos na estação Osasco no dia que marcou uma década da Chacina de Osasco e Barueri, na qual estendemos o convite para o ato àqueles que nos cruzaram;
3. A confecção da linha do tempo das chacinas de São Paulo e de três bandeiras: da Associação 13 de agosto, de Amauri José Custódio e de Thiago Oliveira de Jesus;
e 4. Para mim, ter levado a farta compra de mercado para a casa da Zilda foi particularmente marcante. Subir de carro na viela e categorizar as sacolas de acordo com os seus componentes para eleger quem, entre eu, Zilda e um amigo dela, levaria o que para qual local foi, honestamente, divertido, assim como ver as suas reações a cada item - suas críticas e elogios. Foi gratificante, também, ver tudo com ela, saber que fomos coadjuvantes no preparo desse almoço que, assim como a própria presença dos familiares de outros movimentos que rege a refeição, traz um senso de comunidade e apoio que não nega a violência e a dor que circundam a data, mas talvez acalente as mães que as sentem.
Na mesma chave da coletividade entre elas, desenvolvida pelo luto compartilhado e pelo mesmo propósito de luta pelas vidas perdidas nas mais diversas regiões, mas cujo responsável - o Estado - é o mesmo, o que mais me chamou a atenção foi a dinâmica delas. As brincadeiras, trocas, críticas e alfinetadas são - admito, aqui, talvez uma projeção, uma leitura que não me cabe da situação - uma resistência por si só. A normalidade das interações, a decisão da continuidade da vida com suas belezas e avarezas cotidianas, sem a santificação do momento, impede que ele defina as relações, que atravesse todos os diálogos. A dor, a violência dessas perdas, é menor do que a luta travada por elas, da força da recusa da subjugação. Ninguém ignora a intensidade da perda, mas valoriza, sem floreios, a vida que segue apesar dela. Sem a auto inserção limitante no papel da vítima, pura e simplesmente.
Um dia, me mostraram uma imagem que ilustrava o luto e a pessoa, ambos representados como círculos. Em um primeiro momento, os dois tinham o mesmo tamanho, a delineação do círculo “luto” sobreposto à “pessoa”. À medida em que o tempo passava - e, claro, não é a sequência linear de minutos e números no calendário que promove a mudança, mas o fato de que nós, que ficamos, cujo coração parece, por vezes, apenas fazer circular o sangue em uma casca vazia de quem um dia fomos -, parecia que o círculo “luto” diminuía dentro da “pessoa”. Escrito em cima das imagens, porém, estava uma explicação de que era o círculo “pessoa” que crescia; o luto mantinha-se do tamanho, mas nós somos capazes de crescer apesar dele, aprender novos significados para nossas vidas, criar novos instrumentos para lidar com algo que parecia nos consumir por inteiro.
A perda de alguém próximo não me é estranha. Desde criança, sei que todos morremos, mais cedo do que tarde. Vi meu pai, minha tia e meu tio morrerem em anos seguidos; de causas diferentes, mas todos com menos de 50 anos e subitamente. Como alguém que estava ainda entendendo o que era ser uma pessoa, levou algum - bastante - tempo para que eu entendesse o que significava deixar de ser uma pessoa, o caráter permanente da morte. O que lembro com clareza, porém, é de, assim como toda criança, observar o comportamento dos adultos para aprender o que eu deveria sentir, como eu deveria me portar. De ver as expressões nos rostos dos meus avós nos funerais e do pesar no olhar daqueles que também os assistiam enfrentar algo que parece fluir contra o curso natural da vida. Nas histórias que eu lia e ouvia, todos perdiam os pais em algum momento, assumidamente por causas associadas à velhice; mas era raro ver pais perdendo seus filhos. Lembro da minha mãe, ao receber a ligação que informava que seu irmão havia falecido, se questionar, aos prantos, se perderia os pais também quando eles recebessem a informação.
É impossível e desonesto comparar o luto de pessoas diferentes, e é indiscutível que todos sofreram de formas que eu, que não sou mãe, que não presenciei o ciclo de vida inteiro de alguém que deveria ter estado no meu funeral, não consigo conceber. Mas não consigo deixar de pensar que se, para meus avós, que tinham uns aos outros, que tinham outros filhos, que tinham netos, foi uma morte intolerável, então para essas mães presentes no movimento, das quais muitas não tinham companheiros - os únicos que pudessem, talvez, entender o que era o fim da vida daquela pessoa específica, que também tivessem nutrido, educado, remediado, abraçado, beijado o machucado do seu filho, também os amassem da maneira incondicional que apenas um guardião pode -, não tinham outros filhos para dividir a dor, as memórias, a tarefa insuportável de organizar um funeral, escolher um caixão, que não tinham a responsabilidade por outro alguém que as forçasse a ser forte, a seguir… inimaginável, ainda, para as mães da 13, que, por muito tempo, nem a esse fim de ciclo tiveram direito, que, ainda que abominável, é necessário para iniciar algum tipo de processo de superação.
Para os meus avós, é, ainda hoje, difícil até pronunciar os nomes dos seus filhos. Não consigo deixar de admirar, no plano individual, que essas mães não brandam só os nomes dos seus nas mais diversas ruas, mas também as suas mortes e a sua revolta com a violência, com os culpados; que elas revivam, audivelmente, com tanta frequência, com tanto pouco pudor, a perda de alguém claramente tão amado; e que a força para fazê-lo venha justamente desse amor, que, a cada movimento, as impulsiona para reiterar a importância dessas vidas e para impedir de que seu fim prematuro saia impune. Elas, frente a uma angústia que muitos diriam intolerável, aprenderam a resistir e a encontrar, entre si, uma comunidade. O mais cruel dessa angústia, para quem vê de fora, é a completa injustificabilidade dessas mortes, causadas por idiotas armados que ainda vivem suas vidas medíocres sem repercussões. Que sobem de cargo, assim como seus chefes, os quais se envolvem na política e falam sobre segurança, sobre o controle da violência, que dizem agir em prol da defesa dos cidadãos. Sentados à mesa importada de madeira colonial, escrevem, nos rodapés, com canetas cintilantes, os números que chamam de causalidades do combate ao crime. Que veem estatísticas e chamam de acidentes; ou nem chamam de nada, fingem que não viram. Que não leem Fernando, Tiago, Rodrigo, mas 11, 12, 13.
Partindo para uma parte mais prática, que cumpre melhor o propósito de relatar o ato em si, ao invés de registrar divagações minhas, começo pela minha chegada no almoço. Na pressa da chegada na casa da Zilda, o Lou, que me deu carona, esqueceu a linha do tempo das chacinas de São Paulo na sua própria; tivemos, então, que esperar, por um tempo considerável, a entrega do banner por um uber, cujo horário coincidiu com o previsto do início do ato. Por causa disso, não participei muito dessa parte em si, além de entregar o próprio banner e as três bandeiras que havíamos confeccionado. Segui para o local do ato, na intenção de ajudar a organizar o espaço para a chegada das mães. Nesse momento, pendurei, auxiliada pela altura do Acácio e pelos comentários dos espectadores, o banner na grade da quadra de futebol; e distribuí pelo espaço, como muitos dos presentes, as cadeiras de praia disponibilizadas pelo Flavião.
A própria chegada das mães foi tardia, e por um motivo que também me marcou: a Zilda se recusou a partir para o ato sem a presença de todos que estavam em sua casa. As eventuais delongas, como o uso do banheiro pelos convidados, não a detiveram: ou todas as mães iam juntas, ou nenhuma iria. Tanto o oferecimento de um farto almoço coletivo quanto essa decisão representam, a meu ver, simplicidades que afirmam a significação da comunidade, ainda que permeada por alguns desentendimentos. Após a acomodação das pessoas no espaço do ato em si, cujo número não foi pequeno, e da exposição das bandeiras nas paredes, foi iniciada a sequência de falas dos familiares de vítimas de violência de Estado.
Durante as falas das mães no ato, período em que o arrepio não me abandonou por um instante sequer, ouvi muitas frases que odiaria esquecer. Cito - mais precisamente, parafraseio:
uma mãe disse que sempre repetem o vazio consolo de que seu filho estava “no lugar errado na hora errada”, quando o lugar errado é a periferia e a hora errada é a sua vida;
que estava esperando uma pizza para jantar com a própria filha, que nunca mais vai dividir uma refeição com o pai;
que seu filho estava tomando uma cerveja após o trabalho, como tantos de nós, mas por ser preto e periférico, foi morto;
que apenas 2% dos assassinos viram réus.
Foi também nesse momento que pude apreciar uma outra parte do preparo de Flavião: a pipoca gratuita. Ela foi devidamente apreciada não só por aqueles de nós que observávamos o desenrolar do ato nas margens, mas também - principalmente - pelas crianças da região, que repetiam incessantemente as pequenas porções. Elas, que, admitidamente, roubaram a minha atenção, brincavam e demonstravam seu talento com uma bicicleta nos pequenos barrancos do espaço, convocando outras a se juntarem. A contraposição da cena com o cunho das falas não passou despercebida.
A finalização das falas das mães foi seguida da apresentação musical de dois DJs, cujos nomes não consigo me recordar. Como sei que serão citados pelos demais relatores, não julgo necessário ir atrás. Ambos são suficientemente talentosos e trouxeram letras tocantes e relevantes que encaixaram maravilhosamente com o tema do evento, acompanhadas por um instrumental marcante. Pude conversar, também nesse momento, com o fotógrafo que foi convidado. Dentre assuntos desconexos, me fascinei, como em tantas outras situações, pela similaridade de perspectivas que tínhamos, florescida em contextos tão diferentes. Apesar de trajetórias completamente distintas, maneiras opostas de nos relacionar com a cidade, com a carreira, com muito do que compõe a vida, nos encontramos no mesmo lugar, no mesmo ato. Por outros motivos, talvez, mas com o mesmo porquê; com a mesma causa. Há uma parte minha, que pode ser lida como ingênua, que nunca deixará de se maravilhar com o fato de que nossos pares estão espalhados por aí - o que quer que isso possa significar.
Não posso deixar de mencionar a parceria com Gislaine e Carol. Os diálogos com todos os participantes do LASInTec foram, como frequentemente o são, ricos e envolventes. As duas, porém, que estão no mesmo subgrupo de pesquisa que eu - que foca na criminalização de movimentos de familiares de vítimas de violência de Estado -, observaram o ato através de lentes de análise análogas às minhas. O nosso encontro, então, não só possibilitou a ampliação do nosso horizonte de trabalho, muito por causa das propostas de reuniões com familiares que se mostraram interessados em contar suas histórias para nós através de um contato iniciado pela Carol, mas também de uma sensação, acredito eu que compartilhada, de materialização do que estudamos. É evidente que jamais perdemos de vista o que debatemos e quem protagoniza os movimentos em foco; mas trocar olhares e abraços com as mães presentes ali inevitavelmente dá uma outra dimensão à nossa pesquisa.
A exposição do filme concluiu o ato. Apesar do frio que congelava os ossos, os arrepios que senti não eram consequência do clima. Com um ritmo lento, seguiu dois garotos que, como muitas crianças, são capazes de explorar, em sua inocência, a complexidade da vida humana. A belíssima filmografia apenas soma ao deslumbramento causado por ele.
Por fim, para mim, o ato foi, entre abraços, choros, risadas e suspiros, uma notável experiência, que faz questionar: o que fazer quando o Estado, a quem você invariavelmente deve responder, informar seu salário, seu endereço, seu corpo, tudo que é concreto sobre você, que deveria ser responsável pela sua segurança, é o mesmo que a ameaça? Que tira sua vida, ou a vida de quem você ama? As mães dali respondem: você vive. Você se une em uma comunidade. Apesar do medo, das memórias que isso traz, você luta. Você se reúne, todo ano, várias vezes, para olhar para a parte dentro de você que mais dói, e falar sobre ela. Por você, por quem não pode fazê-lo, pelas mães que talvez não percam os próprios filhos se algo mudar. Pela esperança, que você não permitirá morrer.
O luto, a luta e as formas de dizer a memória
Gislaine Amaral
No dia 16 de agosto de 2025, um sábado de sol escaldante intercalado com o frio cortante típico de uma tarde de inverno paulista, realizou-se o ato em memória dos dez anos da chacina de Osasco e Barueri, completados no dia 13 anterior. Naquele dia, no bairro Munhoz Júnior, localizado entre os dois municípios situados na região metropolitana Grande São Paulo, as mães da Associação 13 de agosto junto a outros grupos puseram em ação a prática de preservação de memória coletiva capaz de ressignificar o espaço público, obstinadas em não esquecer e nem perdoar.
A memória compreendida como reconstrução, trabalho narrativo e fenômeno social, dentro de um quadro histórico mais amplo, interconecta experiências pessoais e eventos sociais e, em sua função, conecta passado e presente. Naquele sábado, a capacidade de desenvolvimento da memória coletiva a partir de laços de convivência atravessou o evento e se exibiu, acima de tudo, na participação dos coletivos de mães vindas de outros espaços com histórias também marcadas pela violência de Estado.
Como ato coletivo, as atividades do dia começaram no espaço privado da cozinha, no almoço, e terminaram no espaço público da rua, entre bandeiras, cartazes, músicas e outras intervenções, perfazendo o caminho inverso da violência que, 10 anos antes, atravessou do espaço público ao privado. A casa de d. Zilda de Paula foi o primeiro espaço de reunião no início da tarde, que juntou mães e familiares de vítimas de violência de Estado de diferentes territórios, desde a região metropolitana de São Paulo, a Baixada Santista com o Movimento Mães de Maio, até o Rio de Janeiro com as mães de Manguinhos, Rocinha e Acari. Contou ainda com a presença de pessoas que integram movimentos como a Associação de Amigos e Familiares de Presos (Amparar), a Frente Estadual pelo Desencarceramento de SP, o Memórias Carandiru, Rede contra o Genocidio de SP, a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR), o Movimento Negro Unificado e a Geledés. Se fez também com a presença de artistas da música, como o rapper Kric Cruz, DJs, e com o apoio do coletivo do audiovisual Fabcine, presente desde a estrutura à exibição do documentário Memória obstinada. Da cozinha à praça, um deslocamento físico e simbólico do luto e do íntimo ao coletivo.
Essas presenças marcaram tanto a interterritorialidade das pessoas presentes, demonstrada já nas localidades que nomeiam os grupos de mães - o que não é simples coincidência, mas indício das regiões fronteirizadas em que a violência de Estado se faz mais presente - quanto as diversas faces da violência de Estado, das ruas às prisões, expressas na interseccionalidade das lutas que caracterizam os movimentos que acompanharam o deslocamento. Tal interterritorialidade e interseccionalidade de lutas reforçam a constituição de redes de solidariedade e luta contra o esquecimento.
Já na praça Francisca Rodrigues de Castro, no Jardim Mutinga, o ato se assentou e atravessou a tarde, recepcionando o anoitecer. Este espaço não foi aleatório. Concretizou a passagem do luto do espaço privado para o público neste movimento de construção coletiva de memória. Essa elaboração da memória também se ancorou naquela localidade tão pública, cercada de ruas, avenidas, casas, muros, carros, ônibus, transeuntes alheios e curiosos, mercados, açougues, bares, bêbados distraídos e composta de um punhado de grama, meia dúzia de árvores bloqueadoras de pipas, quadras poliesportivas, crianças pedalando bicicletas, correndo, na fila da pipoca e toda a vida agitada de um sábado comum em um bairro de periferia como qualquer outro desta imensa metrópole.
A decisão política de ocupar o território próximo da ocorrência da chacina traduz a obstinação em ressignificar espaços marcados pelo horror da violência de Estado, mesmo sendo por alguns questionada por supostamente não “chamar tanta atenção” diante da possibilidade de locais mais visíveis e de tradicionais destinos de passeatas e manifestações diversas. Como lugar de memória, a opção pela praça é dotada de sentido material e simbólico que ecoa na coletividade ali presente. Embora limitada, não se aplique integralmente ao ato aqui relatado e apesar das críticas à abordagem de Nora, entender este espaço como um lugar de memória implica entender sua escolha e ocupação como uma ação intencional e política, que o dota de novo sentido. De espaço cotidiano a um ponto de encontro no qual as mães da Associação 13 de agosto proferem sua recusa ao esquecimento e ao perdão. E com elas, as outras mães de vítimas de violência de Estado ali presentes.
Essa ressignificação é também uma resposta à história oficial forjada nos sistemas de justiça e na mídia tradicional. Esta paisagem também foi composta pela faixa com a linha do tempo de alguns dos massacres ocorridos no estado de São Paulo desde a redemocratização que, assim como a coletividade de mães e familiares de vítimas de violência de Estado de outros lugares ali presentes, atesta que a chacina de 13 agosto de 2015 não é um caso isolado na democracia brasileira. Também é parte deste processo as bandeiras e faixas com os rostos e nomes dos alvos da violência de Estado; a exibição pública do documentário Memória obstinada, do cineasta Caio Castor sobre a luta da Associação 13 de Agosto; as músicas; e, talvez com a maior potência destas ações, os discursos das mães que rejeitam o silêncio.